
O SISTEMA EDUCACIONAL DOS ESTADOS UNIDOS ESTÁ PRODUZINDO UMA SOCIEDADE DE “TOLOS ESPERTOS”?
Um psicólogo eminente explica porque ele acredita que é assim e como reverter o curso
Por Claudia Wallis em 31 de maio, 2017
[(In Scientific American, 2017: https://www.scientificamerican.com/article/is-the-u-s-education-system-producing-a-society-of-ldquo-smart-fools-rdquo/?WT.mc_id=SA_FB_MB_NEWS, acessado em 05/06/2017)
Traduzido por Júlia Bárány]
Boston – No encontro anual acontecido na semana passada na Associação para a Ciência Psicológica (APS) em Boston, o psicólogo da Cornell University, Robert Sternberg soou o alarme sobre a influência dos testes estandardizados aplicados na sociedade americana. Sternberg, que tem estudado inteligência e os testes de inteligência por décadas, é bem conhecido por sua “teoria da inteligência triárquica”, que identifica três tipos de inteligentes: o tipo analítico refletido nos pontos de QI; inteligência prática, que é mais relevante para a solução de problemas da vida real; e criatividade. Sternberg ofereceu suas visões numa palestra associada ao recebimento de um Prêmio William James Fellow da APS por suas contribuições de vida inteira à psicologia. Ele explicou suas preocupações ao Scientific American.
[Segue uma transcrição editada da entrevista]
Em sua palestra, você disse que os testes de QI e os exames de ingresso na universidade (vestibulares) como SAT e ACT estão essencialmente selecionando e premiando “tolos espertos” – pessoas que possuem certo tipo de inteligência mas não o tipo que pode ajudar a nossa sociedade a progredir em face aos nossos maiores desafios. No que é que esses testes são falhos?
Testes como SAT, ACT, GRE – que eu chamo de testes alfabéticos – são medidas razoavelmente boas de tipos acadêmicos de conhecimento, mais inteligência geral e habilidades relacionadas. Têm alta correlação com testes de QI e preveem um monte de coisas na vida: desempenho acadêmico, salário, nível de emprego que você alcançará – mas são muito limitados. O que eu sugeri na minha palestra de hoje é que eles possam de fato estar nos machucando. A nossa ênfase excessiva em estreitas habilidades acadêmicas – aquelas que permitem obter notas altas na escola – podem ser ruins por várias razões. Acabamos tendo pessoas que são boas em fazer testes e lidar com celulares e computadores, e essas são habilidades boas, mas elas não dominam as habilidades das quais precisamos para tornar o mundo um lugar melhor para se viver.
Que evidência você vê desse dano?
O QI subiu 30 pontos no século XX, ao redor do mundo, e nos Estados Unidos o aumento continua. Essa subida é enorme; são dois desvios padrão, o que é equivalente à diferença entre um QI médio de 100 e um QI bem dotado de 130. Deveríamos estar contentes com isso mas a pergunta que eu faço é: Se você olhar para os problemas que temos no mundo atualmente – mudança climática, disparidades de renda nesse país que provavelmente rivalizam ou ultrapassam os problemas do progresso tecnológico (anos dourados), poluição, violência, uma situação política que muitos de nós jamais poderíamos ter imaginado – surge a pergunta, de que servem todos esses pontos QI? Por que não estão ajudando?
O que eu discuti é que a inteligência que não for modulada e moderada pela criatividade, bom senso e sabedoria não é tão positiva assim para se ter. Tal inteligência gera pessoas que são muito boas em se promover, muitas vezes à custa dos outros. Talvez não estejamos apenas selecionando as pessoas erradas, talvez estejamos desenvolvendo um conjunto incompleto de habilidades – e precisamos buscar algo que de fato tornará o mundo um lugar melhor.
Sabemos como cultivar sabedoria?
Sim, sabemos. Um monte de colegas meus e eu estudamos sabedoria. Sabedoria consiste em usar suas habilidades e seu conhecimento não só para seus próprios fins egoístas e para pessoas como você. Trata-se de usá-las para ajudar a alcançar um bem comum equilibrando seus próprios interesses com os das outras pessoas e com interesses de ordem superior por meio da infusão de valores éticos positivos.
Você sabe, é fácil imaginar pessoas espertas mas é realmente difícil imaginar pessoas sábias. Acho que uma razão é que não tentamos desenvolver sabedoria nas escolas. E não testamos sabedoria, portanto, não há incentivo para as escolas prestarem atenção a isso.
Podemos testar sabedoria e podemos ensiná-la?
Pode-se aprender sabedoria por meio de exemplos a serem seguidos. Pode-se começar a aprender isso na idade de seis ou sete anos. Mas se o aprendizado se baseia no que nossas escolas estão ensinando, que é como se preparar para os próximos testes de nível escolar, isso expulsa do currículo as coisas que costumavam ser essenciais. Observando os antigos McGuffey Readers (cartilhas), ensinava-se tanto bons valores e boa ética e boa cidadania quanto se ensinava a ler. Não se trata de ensinar o que fazer mas como raciocinar eticamente; passar por um problema ético e perguntar: Como chego à solução correta?
Eu nem sempre penso em juntar ética e raciocínio. O que você quer dizer com isso?
Basicamente, raciocínio ético envolve oito passos: perceber que há um problema a ser resolvido (digamos, você vê seu colega de quarto trapacear num trabalho de escola); identificar isso como um problema ético; perceber que é um problema grande o bastante para merecer sua atenção (não é o mesmo que passar do limite de velocidade em alguns quilômetros); perceber isso como relevante para você; pensar sobre que regras éticas são aplicáveis; pensar em como aplicá-las; pensar quais são as consequências de se agir eticamente – porque pessoas que agem de forma ética normalmente não são recompensadas; e, finalmente, agir. O que tenho argumentado é que o raciocínio ético é realmente difícil. A maioria das pessoas não consegue percorrer todos os oito passos.
Se o raciocínio ético é inerentemente difícil, existe realmente menos raciocínio ético e menos sabedoria atualmente do que no passado?
Temos um sujeito [representante eleito Greg Gianforte de Montana] quem alegadamente atacou um repórter e acabou de ser eleito para a Câmara dos deputados – e isso depois da média de 30 pontos de aumento no QI. Temos tido violência em campanhas eleitorais. Não apenas não encorajamos criatividade, bom senso e sabedoria, acho que muitos de nós nem mesmo os valorizam. Esses valores estão muito distantes do que está sendo ensinado nas escolas. Mesmo em muitas instituições religiosas temos visto surgirem muitos problemas éticos e legais. Se não se está aprendendo essas habilidades na escola ou por meio da religião ou dos pais, onde se os aprenderá? Acabamos tendo pessoas que veem o mundo como povoadas por seus iguais, um tipo de tribalismo.
Então onde é que você vê a possibilidade de reverter?
Se começarmos a elaborar testes para esses tipos mais amplos de habilidades, as escolas começarão a ensiná-las, porque elas ensinam para se passar no teste. Meus colegas e eu desenvolvemos avaliações de criatividade, bom senso e sabedoria. Fizemos isso junto com o Rainbow Project, que foi um tanto experimental quando eu estava em Yale. E depois em Tufts, quando eu era diretor de artes e ciências, começamos o Kaleidoscope, que tem sido usado com milhares de jovens a serem admitidos em Tufts. Ainda se usam. Mas é muito difícil fazer com que instituições mudem. Não é um conserto rápido. Uma vez que se tem um sistema no lugar, as pessoas que se beneficiam dele sobem ao topo e depois trabalham muito duro para manter isso.
Olhando para os tipos mais amplos de testes de admissão que você ajudou a implementar – como Kaleidoscope em Tufts, o Rainbow Project em Yale, ou Panorama no Oklahoma State, existe alguma evidência de que os jovens selecionados por ter essas habilidades mais amplas são diferentes de alguma maneira daqueles que conseguem notas altas no SAT?
Os jovens que acabaram de ser selecionados são diferentes. Acho que os encarregados da admissão diriam que sim, pelo menos no início. Nós admitimos jovens que não teriam entrado pelo sistema antigo – talvez eles não tivessem realmente as notas dos testes nem a tabulação. Quando falo sobre isso, dou exemplos, tais como quem escreveu realmente dissertações criativas.
Há qualquer follow-up longitudinal desses jovens?
Nós os acompanhamos no decorrer do primeiro ano de universidade. Com Rainbow dobramos a previsão [precisão] quando ao desempenho acadêmico, e com Kaleidoscope conseguimos prever a qualidade de desempenho extracurricular, o que o SAT não faz.
Você acha que a ênfase em medidas estreitas como SAT ou GRE está danificando os campos STEM especificamente?
Acho que sim. Acho que está danificando tudo. Temos cientistas que são muito bons incrementadores pró-ativos – são bons em dar o próximo passo mas não são as pessoas que mudam o campo. Não são redirecionadores ou reiniciadores, que recomeçam um campo. E são essas as pessoas das quais precisamos.
Você tem esperanças quanto à mudança?
Se pudéssemos convencer pelo menos algumas universidades e escolas a tentar seguir uma direção diferente, outros poderiam seguir. Se você começa a incentivar uma atitude criativa, a desafiar a multidão e desafiar o zeitgeist (espírito da época), e se você ensina as pessoas a pensar por si mesmas e que o que elas fazem afetam os outros, acho que é uma proposta que só pode ganhar. E essas coisas podem ser ensinadas e podem ser testadas.